segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

TUDO AO REDOR


Fim de ano. E, muito além do que possar significar as festas nesse período e como isso pode impactar nas pessoas em luto, tenho estado rodeada de simbolismos, de lembranças, de datas. Na verdade, pouco me importa ou me afeta Natal e ano novo. Nesses dias, duas datas tem sido muito mais  significativas para nós: o dia 21/12, do nascimento e quando Nico completaria três meses de vida, e o 25/12, justamente Natal, data em que fará 1 mês da morte. Curiosamente, estou escrevendo hoje,  no meio dessas duas datas. Talvez por uma 'auto-proteção', pois creio que não teria condições emocionais para escrever nos dias exatos.

Foram muitas coisas de sexta pra cá. Decidimos ir a Barra Grande com a família. O que significa para mim ter lembranças, muitas lembranças. Da última vez que estive lá, estava grávida dele, com uns cinco meses. Sem falar que a casa, a praia, o ambiente, tudo me remete às minhas bebês..  ainda mamando e pequeninas, quando as ninava na varanda, dava de mamar no palhoção de frente ao mar, eu dormia pouco, cansava muito e trocava fraldas na sala. Além disso tudo, estivemos este fim de semana com nossa sobrinha, que nasceu apenas 10 dias antes de Nicolas, e estava lá, linda , esbanjando saúde. O que despertou em mim um sentimento bastante ambíguo, pois queria aproveitá-la, acariciar, estar junto, curtir , curtir, mas ao mesmo tempo, fiquei muito sensível ao ver um bebê da mesma 'idade' e sabendo que não teria o MEU bebê para trocar a fralda ou ouvir o choro. Uma sensação muito, muito confusa. 

Fiquei bastante perturbada também com uns sonhos que tive. O primeiro, na verdade , um pesadelo, foi um dia antes de irmos à praia. Nele, eu e mais uma pessoa, que acredito ser o Rodrigo, sofríamos um terrível acidente de carro. Nesse acidente, que envolvia três carros, eu via os dois outros baterem em postes e meio fio e se destruindo, no que eu presumia que os ocupantes dos carros haviam morrido e nosso carro era o único em que ninguém morreu. Lembro que no sonho, logo após o desastre, eu gritava muito, desesperada, chorando, mas agradecendo com fervor por estar viva ("ai, meu Deus, obrigada, obrigada, estamos vivos,  só nós estamos vivos!". Entretanto, da mesma forma que gritava agradecendo, eu dizia e sentia uma culpa gigante por estar viva e os outros não; e gritava "eles morreram por nossa causa! eu deveria estar  morta também". Um misto de gratidão e angústia, muita culpa e dó por AQUELAS pessoas terem morrido (e não eu).  Enfim, comentei isso com o Rodrigo e ele soltou um " é exatamente tudo que a gente passou!!". Daí me lembrei que, no nascimento prematuro de Nicolas, eu também achei que podia morrer, eu sabia que EU também poderia ir junto. Tive muito medo e achava que podia acontecer.  Um tempo depois, já no hospital, no final dos dois meses de tempo dele, tive uma conversa com minha mãe na qual ela disse muito emocionada "até minha vida já ofereci em troca da dele, pois eu já vivi o suficiente..." :-(  Partindo desse raciocínio e voltando ao sonho, é como se eu tivesse dizendo ou pensando isso: eu NÃO sou grata por ter ficado viva (em detrimento de 'outros', do meu filho). A ordem das coisas deveriam (mas sei que não são) ser outra. Porque não deixar em vida um bebê cheio de história pela frente? Porque que ele não viveu e eu continuo aqui?  
(ao pensar assim, tento voltar à realidade aqui e agora e colocar na mente: pelas minhas meninas!, estou aqui ainda por elas!)

O segundo sonho que tive foi de ontem pra hoje. Como tenho dormido bem mal, ontem tomei um remédio para esquecer um pouco e para pegar no sono mais rápido. Mas parece que foi pior. Tive mais um sonho bem aflitivo. Nele, era como se eu tivesse ou voltasse ao hospital e a neonatologista que o acompanhou todo o tempo chegava para mim e dizia: " Leticia, não sei se eu deveria lhe contar isso, e não vai mudar nada.. mas Nicolas está VIVO. Não vai mudar porque ele ainda está muito mal, mas naquele dia nós o mantivemos aqui e ele ainda tá em vida, mas não está bem". Eu ficava indignada porque ninguém tinha me dito nada e ainda questionava "mas eu vi TUDO! ele estava no meu colo quando morreu.. e eu vi arrumando-o." No final , não lembro como ficou.. o que aconteceu depois, mas é obvio que isso é o meu desejo explícito de que ele voltasse, de que ainda nos encontrássemos nessa vida. Ou da vinda de um milagre , como tanto pedi.

E finalmente, outras coisinhas me deram uma chacoalhada. Chegando em casa na volta da praia recebo um envelope grande enviado pelo Banco de Leite do hospital. Eram um Certificado de agradecimento como Doadora de leite materno e um chocolatinho de 'Boas festas'. Mais uma vez, dou um breve sorriso de satisfação, mas é inevitável relembrar: quantas milhares de horas não passei naquele banco de leite e em casa retirando e separando leite pro MEU filho? mas não foi para ele? Sim, senhoras e senhores, é um pensamento egoísta. Mas é também uma lembrança sincera, um reconhecimento do meu esforço e, na época, pela minha torcida por ele. 

Dia 25 está aqui, do lado, celebrando o nascimento de Jesus. Mas por aqui, justo o oposto, um mês de luto.
Vou conseguir escrever? Não sei, não creio.. Penso que o nível de elaboração que quero atingir está numa mensagem que recebi hoje, de um velho amigo velho e bem experiente de vida:
"Penso que nossos mortos jamais nos abandonam. No princípio , com muita dor. Depois, como um perfume que alegra nossa alma."

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ATÉ BREVE, NICOLAS


Está chovendo. Está cinza. Num Recife em pleno verão e calorento. Escuto a água batendo na janela e penso em minhas lágrimas. Quantas já chorei de ontem pra hoje. E como parecem com aquela chuva. 
Hoje está sendo mais um dia pesadíssimo, se arrastando. Hoje faz três semanas da sua partida (numa segunda-feira à tarde). Estou desolada. Acordei decidia a resolver coisas e me desfazer de muitas roupinhas que tinha ganho e algumas coisas ainda de grávida emprestadas. Ao meio dia, já tinha brigado com marido e filhas e desabado no quarto.

No fim de semana fui a um encontro de apoio ao luto gestacional e Neonatal. Fizemos muitas atividades interessantes (com uma arte-terapeuta) e, claro, também discorremos sobre nossas vidas e mortes. Sem dúvida foi maravilhoso conhecer todas aquelas mulheres, carregando uma dor semelhante à minha e, como disse a moderadora Cristiane - do Instituto Transforma (a dor) - sem julgamentos, sem opiniões, sem crenças impostas e com muita empatia. Contudo, foi também um momento de partilha e , portanto, de encarar de frente e mexer na nossa história, no meu luto, ainda muito visceralmente aberto, como uma ferida exposta.

Comecei também a ler o livro "Até Breve , José" (graças ao Instituto, que me emprestou) e, impressionantemente, as palavras da Camila parecem que estão saindo do meu teclado, da minha boca, da minha mente. Tudo muito semelhante. Incrível como pensamos igual e como as histórias do José e do Nicolas foram parecidas. Inclusive, ao folhear pela primeira vez o livro, ainda no Encontro... abro justamente na página "A corrente do xixi". Mais uma coincidência!  Lá, ela fala sobre os rins do José; que haviam parado e sobre amigas e mães que fizeram orações e pensamentos para que o xixi viesse. Revivi o fatídico dia em que constatamos que Nico não tinha mais feito xixi. 
:-(

Agora pouco, antes de chover, estava lendo uma parte em que ela fala do quão é difícil responder à simples pergunta: COMO VOCÊ ESTÁ? Não apenas a amigos, mas aos porteiros, a pessoas na rua, a entregadores de comida, a gente que você conhece pouco, mas te viu grávida. Temos que fazer cara de paisagem, mentir ou tentar desviar do assunto. Essa última semana evitei ir à minha cabelereira, que participava muito da minha gravidez. E evitei também, com tristeza, ir ao aniversário de uma das minhas melhores amigas, para não socializar e me deparar com olhares e perguntas. Sem falar em evitar, quase todo dia, de ir à escola das mais velhas, por razões óbvias. 

Mas, como colocou Camila em seu livro, assim como escutamos muitas palavras vazias, pré-formatadas ("foi Deus quem quis assim¨, "seja forte") ou, pior, cruzamos com pessoas fingindo que nada aconteceu, também nos deparamos com o choro de algumas delas. O choro sincero e sentido de algumas pessoas que sabem o que aconteceu. Ou que também choram por seus filhos, pelo medo do que possa acontecer a eles. Assim foi comigo no hospital. A amizade que fiz e o período que passamos por lá sensibilizou a quase todos. Nos últimos dias de Nico vi muitas enfermeiras chorarem comigo, vi médicos com anos e anos de profissão também chorarem ao conversar comigo e com Rodrigo. Vi alguns se emocionarem ao falarem de cuidados paliativos (lembrando da perda de seu pai ou mãe).

Hoje, aliás, talvez por lembrar que a ida de Nicolas foi numa segunda-feira, recebi mensagens carinhosas de duas médicas da UTI. Uma, da também responsável pelo Banco de Leite, perguntando como nós estamos e desejando uma boa semana, e outra da Diretora da UTI, justamente agradecendo a enorme doação de leite materno que fiz ao hospital. Em tempo, logo mais abrirei um post somente sobre o processo de aleitamento de mãe de Uti , sobre ordenhas, sobre Leites, bombinhas de retirar e sobre minha doação. 

Enfim, hoje, lembrando que o luto não é um trajeto linear, desabei mais, relembrei mais, me incomodei mais e estou sentindo muito. Hoje, mais que nunca, estou entoando: "Até breve, Nicolas"



(Obs- o curioso é que, neste blog, praticamente estou fazendo o caminho inverso...cronologicamente falando. Relatei o dia em que Nico partiu, o dia a dia do luto, falei e falarei mais da rotina do hospital, mas tenho ensaiado muito em escrever, e vai sair (um texto gigante, claro), o relato de gestação e NASCIMENTO do meu pequeno. Assim como o fiz para Valentina e Estela. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

NÃO SEI


Hoje simplesmente me deparei com esse poema de Cora Coralina e não acreditei. Soltei um PQP de tanta emoção e identificação. Que lindo, que verdadeiro, que oportuno!! 

DEDICO PARA MEU ANJO 
(e para toda a minha família e amigas que me visitaram essa semana)


Não sei
Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura…
enquanto durar.
portrait.jpg
Finalizo aqui com a imagem que estou usando no meu perfil do Whatsapp (e achei bem parecida com eu e Rodrigo juntos) de uma ilustradora francesa maravilhosa, Anne Korrig, que costuma muito desenhar famílias que perderam filhos. Nessa, ela pôs a seguinte legenda:
« Je te tiendrai dans mon cœur jusqu’à ce que je puisse
 te tenir dans mes bras. »
-anonyme-

Link para o Blog dela: https://korriganne.com/page/3/

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

"A MÃE ORFÃ"


Filho, faz duas semanas que você partiu. Não tem um dia, uma única noite, que não pense em você.

 Aliás, as noites pra mim tem sido um suplício. Não tenho conseguido dormir, muitas insônias, muitos pensamentos, muita saudade, e muita falta do que não tive. Fico pensando como seria com ele e o que estaríamos fazendo, ou se já estaria em casa e mamando. Se eu teria uma noite mal dormida simplesmente por cuidar e acordar com meu bebê 'recém-nascido', com seu choro, e pra mamar. Preciso até registrar aqui um sonho que tive com ele, dias antes de nos deixar. Sonhei que ele já estava grande , chegando aos seus vinte anos, mas com a mesma carinha e cabelo de bebê; ele ia até meu trabalho , onde haveria um evento, e eu celebrava em tom de pergunta " Mas filho, você veio? Que bom , e saiu do hospital? Mas tudo bem ter tirado o tubo pra respirar?" E ele me respondia: "Sim, mãe , não tem problema, eu tenho um um negócio aqui para urgência"  (como se estivesse com uma bombinha de asma ou um aparelhinho que o ajudasse, caso precisasse respirar melhor..). 
Mas atualmente, tenho tido muita dificuldade para dormir pensando em tudo. E, pela manhã, acabo não tendo estímulo e vontade de acordar, ou estou cansada da surra de reflexões, ou do choro da noite anterior. 

Esta semana é muito significativa pra mim. Hoje completam duas semanas que ele se foi, mas na verdade, somente amanhã seria sua Data Provável de Parto (DPP). E cá estou eu, em vez de estar resolvendo coisas para o 'nascimento', estou justo começando a tratar da ausência, da falta , do não ter Nico. Ter que cancelar o plano de saúde, que só durou um mês e foi uma burocracia para incluir. Ter que olhar e lidar uma 'Certidão de Óbito'. Lembro de uma conversa que tivemos no hospital, a psicóloga ter dito algo importantíssimo: "estamos lidando com extremos paradoxais, pensar na morte, quando se deveria estar falando do começo da vida".

Tem sido extremamente difícil ter, ao lado do meu, um quarto praticamente pronto, com dois berços e uma série de outras coisas guardadas. Ter que aos poucos começar a nos desfazer dessas coisas. E é mais duro ainda constatar que a cada coisa desfeita, vendida, levada, doada, teremos cada vez menos o Nicolas, que não há volta, que ele se foi. Sinto que tirar os rastros materiais, também é se distanciar...e se distanciar até da tristeza, do luto... Por isso, tenho guardado numa maletinha que a tia Dani deu, desde a festinha de descoberta do sexo, cada lembrança do meu anjo. Pulseiras de hospital, umbigo, carimbo dos pezinhos, mechas do cabelo. E esta seguirá  comigo até o fim da minha vida, onde quer que esteja. 

Dia desses assistindo a uma série, um adolescente, pensando na morte da mãe, escreve o seguinte (que me identifiquei muito): 
A teoria do espaço tempo pode ser aplicada ao mundo real. O passado não desaparece, permanece dentro de nós, em nosso presente. O tempo volta como um vídeo; que repete as mesmas cenas diversas vezes. (...) um gesto simples (fica). Seguir em frente é uma ilusão. Como diz Einstein: as coisas mudam superficialmente, mas no fundo continuam iguais. 
E se a dor não fosse um obstáculo a ser superado? Fosse só uma estrada a ser percorrida. E haverá sempre um detalhe... que não te abandona nunca. 

Isso tudo, toda essa questão do seguir em frente, me faz lembrar de um artigo que li - ainda no hospital, na iminência da partida de Nic - da maravilhosa Eliane Brum, intitulado "A Mãe órfã". Nele, a jornalista brilhantemente joga luz no luto neonatal, no começo da utilização de cuidados paliativos em UTIs Neonatais (como aconteceu com Nicolas), no processo de elaboração de pais enlutados e também daquilo que citei acima: como lidar com a morte de quem acabou de nascer. Com muita sensibilidade , ela também expõe sua história, na qual os pais perderam a sua irmã (antes dela) que tinha apenas 5 meses. 
Link para o artigo na íntegra:
"A Mãe Órfã - Lutos Mal Elaborados também matam"

Colo aqui algumas passagens bem importantes:

"O que pouca gente parece compreender é que a vida do bebê, para os pais, não começou no seu nascimento. Iniciou muito antes, quando aquele casal sonhou com um filho, concebeu sua existência. E nele depositou suas melhores esperanças e desejos de continuidade. É uma vida muito mais longa do que horas, dias, semanas, meses. Antes de um bebê existir como indivíduo, para os pais ele já é. E é da forma mais cara para os humanos – como desejo. Quando tudo isso é arrebentado por uma morte precoce, se a família não é bem cuidada, ela se arrebenta inteira."

"É importante que essa vida seja não esquecida – mas lembrada como uma história que, apesar de curta, teve bons e maus momentos, como todas as vidas. Lembrada em fotos e recordações como parte da trajetória daquela família. Uma trajetória que segue."

"Ao fazer esta reportagem, testemunhei o lugar ambíguo dos homens na morte de um bebê. Há um reconhecimento social de que, por ter gerado, a mulher é, se não a única, a maior sofredora. Muitas vezes seu sofrimento é tão aniquilador que não deixa espaço para a dor do homem, do pai daquele bebê.
O homem, que foi educado para suportar a dor em silêncio, para proteger a mulher, para ser o provedor e o esteio – e ainda hoje estes papéis são mais cimentados do que parece – aceita esse lugar menor no luto."

"Conto esta história na esperança que, agora e no futuro, homens e mulheres possam ter a chance de ser compreendidos na enormidade da sua perda e fazer um luto que torne possível seguir a vida. Transformar a dor em algo ativo é parte da superação da perda."


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

QUAL O PROPÓSITO?


Hesitei um pouco para fazer esta postagem, mas precisava. Como tudo que tenho colocado pra fora. Sei que vou polemizar ou chocar algumas pessoas e talvez criar alguns desafetos. Mas queria desabafar um pouco sobre o papel de DEUS nisso tudo. Ou pelo menos o papel que ATRIBUEM a Deus e tentam nos passar. Assim como algumas frases e comentários que nos são ditos nesse momento de luto.


Na verdade , desde nossa estadia na UTI, antes de Nicolas partir, nos momentos mais duros, sempre ouvíamos, de forma unânime, coisas do tipo:  "Entregue nas mãos de Deus" , ¨Deus sabe o que faz¨, "Para tudo Deus tem um propósito" , ¨Deus no comando¨" , "Deus é o médico de todos os médicos". Lembro até de uma avó muito religiosa que frequentava a Sala das Mães - num momento que minha irmã estava fazendo massagem nas minhas costas e cabeça, eu perguntei (para minha familia): "Existe massagem para acalmar o coração?", ela responde prontamente e alto:  "TEM! Jesus!"

Não que eu seja atéia , ou não acredite, até porque sou um tanto 'em cima do muro' no âmbito religião, cheguei a orar fervorosamente pelo meu filho e aceitei e aceito de muito bom grado qualquer forma de fé e de oração a nosso favor. 
Porém, naquele momento, eu me perguntava muito: mas qual o propósito Dele? Nos fazer sofrer? Se Deus sabe o que faz, porque não dá saúde para esta pessoinha com tão pouco tempo de vida presa, doente, numa encubadora? Se eu como mãe  'entregasse nas mãos de Deus' , eu não deveria, então, me preocupar com a evolução dele? E ainda, se Ele estava no comando, porque dirigia tão tortuosamente?


Agora que o pior aconteceu, também escutamos frases recorrentes: "Espero que Deus lhe conforte", "que Deus lhes protejam", "Que Deus lhe dê forças" , "peço a Deus que lhe traga paz" , "Nosso Deus sabe o que é melhor". 
Gente, seria realmente MELHOR Deus tirar uma criança do mundo, do colo e peito de sua mãe, do seio familiar? Acho tudo tão contraditório. Se Deus tinha um PROPÓSITO, qual é esse propósito? De plantar naquela família a dor e a tristeza? Sei que muitos vão me responder (assim como todas as frases prontas anteriores): ¨Você não vai entender agora; futuramente, vai ver que Nicolas tinha uma missão, que havia uma explicação..." 


Como me disse uma pessoa: atribuir tudo a Deus "é de certa forma, um cala boca" , ou seja, uma maneira de se encerrar naquilo, de apagar tudo. Eu prefiro acreditar em outra teoria - que também discuti com uma amiga - de que ¨as pessoas procuram e dão o sentido que suportam às suas vidas, às suas dores, aos seus milagres¨. Ou seja, esse Deus usado aqui e acolá muitas vezes é a muleta, o jeito de suportarem algo; e de achar que é também a forma mais indicada de outros suportarem esta dor. Da minha parte, concordo que cada um deve elaborar da maneira que quiser e achar mais efetiva, ou de dar um sentido, só não acho que deva tentar IMPOR qual sentido devemos dar.

Sei que as pessoas tem as melhores das intenções e , como reconheci no post anterior, o apoio dos nossos próximos, seja lá de que forma venha este apoio, é muito melhor e mais reconfortante do que a falta dele. Eu agradeço, e com carinho, a cada uma das pessoas que pensam na gente, que nos escrevem, que se preocupam, colocando Deus ou não. 

Esta minha reflexão coaduna também com as histórias de mães 'tentantes', ou que perderam bebês e estão no luto pós aborto. E me lembrei de um artigo interessante que citava o que NÃO dizer a uma mãe (ou pai) em processo de luto , seja em qual idade gestacional ou do bebê. Segue: 

Me tocou especialmente a frase da Camila Goyatacaz (que me lembro bem da época que morava em SP e era colega dos grupos de mães), autora de Até Breve, José: "A nossa dor, mães de bebês, não é carregada de saudade do que vivemos, mas saudade do que não vivemos! Choramos pelas fraldas que não trocamos, pelos beijos que não demos. Choramos pelas noites que não passamos acordadas"  É exatamente o que sinto todo dia em relação a Nicolas. Que vontade de ter ele aqui. 

Encerro este post com outra afirmação dela sobre lidar com a pessoa em luto perinatal: "Evitar tudo que está na ordem dos conselhos, dos pontos de vista, das crenças. Nem todas as mulheres acreditam no mesmo Deus, nem todas querem tentar engravidar de novo ou voltar logo a trabalhar e nem sempre estão abertas para ouvir opiniões pessoais ou contar detalhes, ou procurar culpados ou causas. Que as pessoas possam enxergar a mãe que acaba de perder um filho com respeito, com dignidade, com reverência, mas não com pena. Ela precisa de acolhimento, é diferente. Isso significa receber menos palavras vazias e mais gestos de compreensão, de carinho, de afeto, mais presença".


Minhas pequenas quase se 
despedindo do irmão (2 dias antes)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Rede de Amor

Uma semana... uma semana de sua partida, meu filho. 

E como não falar da minha Rede apoio e todo meu entorno? A presença amorosa da minha família e a preocupação de amigos queridos. 

Se tem algo de positivo que posso tirar disso , foi descobrir o quanto temos pessoas que nos amam e nos querem bem. Prova disso foi no velório, que por muito pouco não fui, mas decidi de última hora acompanhar. Não queria velório, queria somente chorar sozinha, não queria ver nada mais que pudesse me chocar (como seu caixãozinho), mas consegui ir e encontrei abraços. Muitos abraços e companheirismo. De todos. 
Como disse meu irmão "Lica, sua família tem muito amor por você, seus amigos também lhe amam muito. Senti demais isso no velório, como você é respeitada e amada". E é nisso que tenho me apoiado. No amor de todos. 

Obrigada a cada um que me esteve lá, num dia de trabalho, que orou por nós, que me mandou mensagens carinhosas, que nos trouxe doces nos dias seguintes. 

Algumas mensagens me tocaram profundamente e leio e releio para me dar mais forças. As vezes até mensagens de pessoas distantes fisicamente.

Ontem ao me ver chorando Estela me abraça e diz da forma mais doce "Mamão, não chora, Nicolas tá olhando pra gente. Ele está bem.." <3 span="">

Outra amiga diz: " Eu te desejo te ver sorrir de novo, com vontade..É só assim que consigo te ver, como teu nome traz tua imagem. Uma das mulheres mais alegres que tenho perto de mim..."  Me deu um afago saber disso. 

Outra, que já citei aqui e perdeu um filho, me disse: "Sempre que perguntarem quantos filhos você tem , responda TRÊS". Completado por uma amiga de colégio que não vejo há décadas e reencontrei na mundo virtual "Siga escrevendo e botando esta dor pra fora, mesmo sabendo que ela vai entrar de novo, pode ser que um dia ela erre o caminho e não volte, e somente neste dia você irá encontrar um sentido para os 64 dias ao lado de Nico. Sinta-se abraçada em silêncio, e aqui estarei para te ler, sentir e rezar por vocês que sempre serão 5 ou mais, nunca menos"

E mais reconhecimento e empatia ao ler meus textos: "que bom saber um pouco mais de você e Nicolas nessa jornada tão intensa e impiedosa. Nada pode ser mais importante que isso (...)  Sei que se houve uma sorte em tudo isso foi a desse mocinho poder contar com todo seu amor durante essa dura batalha, a foto da sua mãozinha na tua representa tudo isso (..) o mundo dele com você"

Enfim, desde as mais sublimes e carinhosas mensagens de apoio , de pesar, de compartilhar a dor, até um simples convite para comer algo, andar na praia, falar sobre os planetas, buscar as meninas na escola, trazer uma guloseima ou me oferecer uma massagem. Não existe 'obrigada' suficiente no mundo que expresse minha gratidão. 


sábado, 30 de novembro de 2019

MEU Luto


Continuando, de certa forma, a reflexão anterior, me pergunto: seria eu tão "privilegiada" ao ponto de nunca imaginar que isso poderia acontecer comigo? Que não seria atingida? Que nunca vivenciaria o luto por um bebê. 

Ou simplesmente será que eu fugia do pensamento apavorante de um dia experienciar esse trauma? Claro, a morte sempre ronda nossos pensamentos, pois, obviamente, é a unica certeza que se há; mas não nas circunstâncias em que fui pega. Me pergunto como eu, que sempre quis ser mãe, que sempre quis família grande e, mais relevante, que nunca teve perdas gestacionais e que já tinha duas meninas saudáveis, nascidas a termo, podia em algum instante imaginar passar pela tormenta de ter um filho prematuro? E de atravessar dois longos meses, para depois perdê-lo?

Frase enviada por minha cunhada Marcia: "Porque NÃO comigo?"


Retorno constantemente a casos próximos de nós e que já me chocavam antes dessa experiência: (se me permitem) o da minha cunhada e irmão que perderam o filho ainda na barriga aos quase 6 meses, o da minha amiga que perdeu sua menina com 8 meses e, por fim, um dos mais impiedosos e que mais me abalam (não que a dor de cada uma de nós seja menor), o caso de outra grande amiga que descobre um tumor no filho e o perde aos 5 anos de idade. Sem esquecer da nossa linda Ju que, acometida por leucemia aos 33 anos, parte deixando seu filho de 4 anos e sua mãe , que até hoje quase 10 anos depois continua desconsolada. E , sim, vale relembrar aqui o que sempre escutamos - cada dor é única e só se sabe o que sente quem está passando por ela. Cada mãe tem sua história exclusiva. Assim como um filho não substitui o outro. 


Lembro que já encarava todas essas histórias com medo, compaixão, com embrulho no estômago e empatia. Mas fugia do pensamento para si. Corria do monstro que me apavorava, sem olhar para trás. Mas aconteceu. Ele foi mais rápido e me alcançou. Esse monstro do luto e da perda está me devorando. Devora minha mente, minha carne, meu coração. Hoje sou eu que ocupo o lugar da mãe que chora sangue. 


Meu luto também terá seu tempo, assim como todas essas pessoas tiveram o seu. Minha ferida continua aberta, exposta.. Uma das coisas mais coerentes que escutei dia desses, justo desta amiga que perdeu a filha foi "..o sol se levanta e a gente sente que está em outro movimento, que a noite nunca acaba.."


quinta-feira, 28 de novembro de 2019

DA DOR E DO VAZIO


Quanta dor. Que buraco em mim. Quanta ausência e vazio. 

Estranho ter saudade até da rotina de Uti, das idas e vindas ao hospital. Da rotina, mesmo que dolorosa , que desenvolvi nesse tempo. Que saudade das suas mãozinhas de dedos longos (que eu sempre dizia que puxou as do pai). Do nariz mais lindo que um bebê pode ter. Quando olho para Estela relembro de você, olho pro nariz dela e lembro do seu. Que saudade dos seus pezinhos empurrando minhas mãos em concha. De alisar suas poucas e finas sobrancelhas loiras; de pentear seu cabelinho felpudo e ficar deslizando a mão em toda sua cabecinha. Que saudade de cada minuto com você, em pé ao lado da encubadora, ou nos poucos cangurus que fizemos. 


Cuidar e aproveitar das minhas filhas me dão um alento e força pra continuar. Mas ao mesmo tempo me traz uma sensação paradoxal: a de que por elas serem tão maravilhosas , eu queria tanto te ter , te ver crescer, te cuidar, te educar. Como se , ao ver minhas filhas, em vez de preencher meu vazio e abrandar meu luto, me aumentasse mais ainda o desejo de ter tido você entre a gente. Como algo que você aprecia e gosta tanto, que quer cada vez mais. E talvez tenha sido justo este o motivo de ter vindo um terceiro, pelo fato de quão incríveis são Valentina e Estela e como eu amo ser mãe. Falo de humaninhas inteligentes, sensíveis, educadas e que irradiam luz todo dia. ¨vocês não podem fechar a fábrica", muita gente dizia. 

Quando anunciei a gravidez, umas amigas disseram algo muito interessante , do tipo ' você e Rodrigo são o tipo de pessoas boas pra popular o mundo' , ou algo como "somos super a favor que vocês tenham mais filhos, pois a fabrica é muito boa¨. E aí surgiu você, quando menos esperávamos. E de troféu um Menino, para fechar com chave de ouro. 
Até hoje penso se estou vivendo um sonho (ou um pesadelo) que durou de abril a novembro; e que vai me acompanhar pela vida inteira. Será que uma ¨lei da compensação¨ atuou na nossa história e não deixou que tivéssemos uma vida, uma família perfeita? Estava bom demais para ser verdade? Ou já estava suficiente para querer mais? Seria ganância e egoísmo da minha parte querer mais um, e logo um menino, quando tudo já estava tão bom? Porque que eu não mereci? Porque fomos castigados? Porque me levaram você?

Filho, esta semana completaríamos a gestação. Chegaríamos a termo. Mas tive que me despedir de você justamente num período que seria o do seu nascimento. Temos que lidar com uma partida, quando deveria ser a chegada. E, coincidentemente, no mês Mundial da Prematuridade - o Novembro Roxo. 

Por duas vezes voltei para casa sem você. Apenas com um vazio. Com os braços vazios. A primeira dor, ao nascer prematuro, foi a de voltar para casa sem ti, deixando-o nas mãos de um hospital, de um leito que não seu berço. E a segunda , e dilacerante, foi sua partida. Agora me encontro atônita, perdida, inerte, incapaz, com os braços, seu quarto e a alma mais vazios do que nunca.  

Pouco antes de você ir, seu pai lhe dedicou o texto abaixo: 

Nicolas
Ouvi seu choro mudo e me vi em seus olhos miúdos. Posso jurar que estava fingindo dormir. E eu fugindo num quase lembrar.
Lembrei que você corria pela casa.
Lembrei de você falando uma primeira palavra.
Lembrei de muitos abraços e que um dia me pôs no colo.
Lembrei que correu o mundo e encontrou algum trabalho que gostava de fazer.
Lembrei que encontrou um amor e se perdeu.
Lembrei que cantou com amigos esse amor perdido e viveu um desencanto.. lembrei do seu espanto nesse dia.
Lembrei também, depois, de chorar de alívio ao te ver sorrir.
Lembrei do dia em que morri e você estava lá.
Lembrei de tudo que devia ter sido e que, assim, foi. Talvez só assim é que se possa finalmente ser.
No colo de sua mãe, nas mãos das suas irmãs, nos olhos de suas avós, na esperança de suas tias e tios. Na companhia dos amigos. Foi tudo e foi um pouco mais.
Descanse meu filho em mim.





quarta-feira, 27 de novembro de 2019

FOMOS VENCIDOS

Ultima vez que escrevi aqui, fechada no Parlatório do hospital, encerrei com a pergunta: filho, quanto tempo temos?
Mesmo com uma angústia instalada no peito e sabendo do quadro em que você se encontrava , mal sabia eu que teríamos apenas mais 3 dias. Havia uma ponta de esperança , de acreditar que pudesse dar certo,  depois de tantas batalhas vencidas. Havia ainda um sopro de vida e a pergunta foi realmente dupla: quanto tempo teríamos e qual seria nosso desfecho,seja bom ou ruim.
E a tragédia aconteceu, meu filho, te perdemos. Perdemos a luta. Perdemos você meu pequeno amor, aos 64 dias de nascimento.

Um dia antes, perguntei a um dos médicos mais humanos que já conheci (o nefrologista que estava cuidando da diálise ) se ele já tinha visto algum caso dos rins voltarem a funcionar , no que ele me respondeu: em 30 anos de profissão, NÃO. Então , aos prantos, repliquei se ele acreditava em milagre, ao que me respondeu também chorando: sim, posso dizer que acredito em milagres. Mas o milagre não veio.


Sabe filho, durante esse tempo te acompanhando todo santo dia, uma vez sua vó me perguntou¨no hospital: você está bonita, vai pra onde? Ao dizer que para lugar nenhum , ela rebate: ¨claro, vai ver o filho dela¨. E sim, me arrumava para você , me dediquei a você em 2 meses que para mim duraram anos e anos, uma vida inteira. Sua vida, breve e tão longeva pra mim. Foram tantas canções à janelinha da encubadora, tantas frases e planos feitos, tantos cuidados aos alcance de uma mão ou chamando uma enfermeira. Alí, uma vontade grande de trocar suas fraldas, de te dar um banho, de te pôr no colo todo dia, e, acima de tudo , de ouvir seu choro que foi calado por um tubo respirador. Fui limitada a tudo isso. Meu amor imensurável não cabia somente naquela caixinha transparente; não coube em apenas dois meses. Muitos dizem: você deu muito amor e incondicional enquanto ele estava aqui, mas  NÃO; eu ainda tinha e tenho TANTO, TANTO amor preso, para te dar. Agora meu coração sangra.


Foram dias, noites , madrugadas que, para poder te alimentar com meu leite, mergulhei num sistema disciplinado de retirada de leite. Amamentando em bombas, sonhando com o dia em que seria você quem sugaria aquele líquido sagrado. Tantos estoques, tanta dedicação. Até o dia que até isto me foi cortado. Você não podia tomar mais meu leite por, imaginem, ser muito calórico para uma doença que não se podia ter uma alimentação protéica. Tento pensar que não foi em vão, agora estes leites alimentarão e darão peso a outros prematuros que, provavelmente , terão uma vida mais longa. Desculpa, meu filhote eu não consegui te salvar. Suas enfermidades foram agressivas demais.


Tentando explicar à Nina as doenças de Nico, fiz uma analogia com uma luta e disse: "filha, é como se numa briga, as doenças fossem soldados,grandes, muito fortes e cheios de armas ao redor de Nicolas, e ele estivesse lá no meio, pequeno e sozinho lutando contra todos eles".  Ao que ela sabiamente , no alto de apenas 9 anos, me respondeu: ¨Não mãe, ele não estava SOZINHO, ele estava com VOCÊ. E com papai, comigo e com Lela.¨   Aliás, serão elas , minhas meninas, que nos salvarão dessa dor.


E nessa trajetória de hospital, ao longo de todas essas semanas, de torcida, de esperança e de tratamentos foi uma sucessão de limitações: calaram sua voz, ao te entubarem, cessaram nosso colinho ao não podermos mais te manipular, tiraram meu leite ao te colocarem drenos. Até que VOCÊ mesmo nos foi tirado, no dia 25 de novembro de 2019.


Como meu coração vai continuar a bater se o seu parou , meu amor?

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Ansiedade x Silêncio

Pitoquinho,
Ontem ficamos aqui ao seu lado até três e pouca de madrugada. Você reuniu todo mundo da família de novo , assim como no seu nascimento. 
Estávamos aguardando exames , de certa forma, decisivos e , da minha parte, querendo ficar ao teu lado o tempo possível. Por mim, ficava pelo Hospital , mas a exaustão extrema e a falta de estrutura para “dormir” não ia fazer nada bem a todos nós. E Graças a Deus (como disse , graças à Nsa sra de Aparecida, de Fatima, aos anjos protetores, a São Nicolau.. ao universo) o exame que aguardávamos saiu melhorado. Que alivio, que parte do peso descarregada. Ao ponto de me permitir voltar pra casa para encostar minimamente a cabeça numa cama. 
Entretanto , sua gravidade é tal que tentando dormir ou não meu coração vem à boca diversas vezes, sinto náuseas, tensão,fico dura e inerte ao mesmo tempo. E mesmo com a pequena ajuda de um remedinho ansiolítico, minha alma , mente e corpo continua irrequietos.
A dificuldade de abrir os olhos e tentar ter novas noticias, de como foram as últimas seis horas.. a falta de informação por não estar lá, por aguardar a Neo dizer algo. 
Ir ao hospital traz uma carga gigante de ambiguidade: a vontade imensa de ficar ao teu lado , de te tocar, te ver , cantar e conversar, de aproveitar cada segundo; em outro viés, o pavor visceral e primitivo me arrastando pelos cabelos , me dizendo pra não ir...eu puxando os pés pra trás. Um tonel de tensão e adrenalina apenas para poder transpassar a porta de vidro da Uti. 
Aqui estou, ao lado da sua sala, da sua morada há 2 meses.. com frios na barriga e ansiando por saber mais..sem poder entrar , pois ainda temos que encarar o vai e vem de procedimentos e regras da UTI. Cada espera neste momento se torna um tempo infinito de demora. Aliás, uma pergunta perturbadora: tempo, quanto teremos?


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

DOIS MESES DE LUTAS E SUPERAÇÕES



Filho, você esta completando dois meses, os 60 dias mais intensos e longos de toda minha vida.

Penso e repenso em toda a trajetória dura que você e a gente vem passando. De todos os sustos, de todos os incontáveis procedimentos, da quantidade de gente que ja passamos, da variedade e volume cavalar de drogas administradas , do quanto você tem aguentado e pulado obstáculos.

Segunda-feira (18) foi um susto enorme, tive um pavor enorme de você partir (com a recolocada dos drenos de novo); ontem , quarta, foi mais uma guerra e noticia difícil, de  procedimento invasivo (diálise) e decorrente de outros problemas.

Desde que nasceu, tentando fazer um balanço, você passou por:
  • banhos de luz para icterícia
  • Cpap, VNI , apneias e tubo
  • Seis ou sete transfusões de sangue para anemias;
  • Três infecções e muitos antibióticos
  • - dois acessos centrais
  • Dois trombos (filhos da puta e causadores de tanta coisa) decorrentes de acesso central , que lhe deixou com edemas no corpo inteiro e o rosto enorme de inchado
  • Sondas, sondas, sondas;
  • Dois drenos no pulmão esquerdo e um no direito , pra solucionar um liquido raro chamado quilotorax , ocasionados pelos trombos
  • Fungo
  • E atualmente culminando numa diálise peritonial , com intervenção cirúrgica pra colocação de cateter

Meu coração de mãe quebrando-se a cada noticia dessa, agora se encontra estilhaçado, com aquela nano-pontinha de esperança que ele vá se colar todo e retomar mais forte.

Tem sido também uma profusão de nomes, cheiros e barulhos na minha cabeça.
E quanta, quanta gente envolvida...de equipes a mães de Uti.
Primeiramente, foram GOs Gabriela, Larissa, Djenane, Liana; depois Neos pediatras e médicos inúmeros .. Dras Dafne, Ana Claudia, Fernanda, Anne, Ana, clemente, Aracy, Elayne, Angela, Guilherme, Ze Henrique, Luiz Alberto, Fernando.. a psicóloga Meire
nossas meninas enfermeiras e técnicas : Ana Cris, áurea, sandra, Gal, paula, Edjane, Thais, as fisios etc
Minhas companheiras de banco de leite, Sharlene, Pollyana, Dora, Lenilda, Nalva, sicleide, Marlete...
Sem citar as copeiras e as recepcionistas da Uti.

Os sons ,ai meu deus, todos eles ja acupam meu juízo e ficam na minha
Memória... as vezes durmo pensando ou sentindo os bips da Uti. As vezes é o simples esguichar do álcool ou o abrir e fechar da porta do elevador ou da própria Uti.

Ai filho, cá estamos nessa viagem tão desconhecida e tensa.. que imploro a deus pra acabar (mesmo sabendo que nem tão cedo...) e te trazer pra casa pra ficarmos agarradinhos.

Ps- Preciso muito postar fotos por aqui.

Dia 17/11 - Dia Mundial da Prematuridade

HOJE 21/11 Nicolas faz  dois meses que chegou ao mundo muito antes do previsto.

Coloco aqui uma postagem que fiz no domingo, 17, sobre o dia mundial da Prematuridade.

Quase 60 dias ...
Hoje é DIA MUNDIAL DA PREMATURIDADE.
E quase 2 meses de nascimento do nosso pequeno Nico (21/11)
Ninguém -que não passou por isso - pode ter a mínima ideia do que é a vida de UTI Neonatal. As incertezas, os altos e (muitos) baixos, o acompanhamento diário, a torcida, as orações, o aprendizado até mesmo de procedimentos e termos médicos; além de ver e conviver com histórias de outros bebês e pais, algumas não tão felizes.
Enfim, hoje a atenção vai a tudo que engloba a falta de maturidade, um bebê que está fora sem ainda estar desenvolvido, um ser tão frágil (e tão forte ao mesmo tempo).
Hoje quem mais está de parabéns é Nicolas. Meu “soldadinho de chumbo “, que batalha diariamente e ainda consegue passar força e energia para os pais. Obrigada filho, pela sua linda e boa teimosia! Você é o verdadeiro guerreiro!

domingo, 10 de novembro de 2019

LE PETIT NICOLAS: 50 dias de UTI Neo

Aqui estamos de volta. Cada um desses 50 dias em que meu novo rebento nasceu, eu pensava em escrever, em desabafar. Tempo , tempo, tão rápido e a falta que temos dele e ao mesmo tempo tão moroso para aguentar essas adversidades  e o dia a dia sofrido.
E foi por falta de tempo (e computador) que não cheguei aqui antes.

Então, retomo o blog com um texto que escrevi quando Nicolas completou um mês. Agora ele já está prestes a completar dois meses.

UM MÊS de Nicolas / um mês de EXTEROGESTAÇÃO/ 33 semanas
Meu amor, faz um mês que você saiu prematuramente da minha barriga e veio ao mundo.
30 dias de UTI. Um mês de luta.
O que aprendi nesse tempo: não existe nenhuma previsão, não se deve fazer expectativas, tudo é um dia após o outro. Tudo que ele não desenvolveu no útero, está amadurecendo aqui fora. Ou melhor, dentro , da encubadora.
Esqueçam a maior e mais temerosa montanha-russa que você já experimentou, pra mim , ela se chama UTI Neonatal. Altos e baixos , loopings com muita emoção e tensão, mudanças em menos de 24 hrs.
As vezes dá vontade de sequestrá-lo, de tirar de lá, colocar no peito e sair correndo. Já te amo tanto, meu hôminho, mini Rodrigo , tão peludinho..
E falando em peito, as vezes dá vontade de desistir.. de abrir mão dessas horas e dias incessantes e exaustivos de ordenha e amamentação “sem bebê”. É duro!
Este fim de semana foi mais um baque. Mas aí estamos , chegamos a um mês. Continuemos a batalha mon petit Nicolas, porque como bem diz o significado (coincidente) de seu nome você é “o vitorioso” , “aquele que “vence com o povo”. E eu quero ser uma multidão para vencer junto contigo.
Nicolas, 01:30 de 21/09/19

E hoje acordei pensando em como, desde que você nasceu, semana a semana temos passado por tensões , e por superações também, você aguentando firme e forte. Foram as primeiras transfusões de sangue (que no começo assusta e depois você 'aceita'), icterícia, anemia de novo, acessos perdidos e recolocados , acesso central, infecção hospitalar, trombo, edema, muito edema, inchaço  e agora estamos na fase dos drenos no pulmão e liquido incomum e raro. é tanta coisa, tanta história que todo dia acordo receosa, aflita por noticias e com medo até de ir ao hospital. Mas acredito muito muito em você, meu terceiro amor, na sua força, na sua vontade de vida. É clichê? É! Mas você é exatamente isso mesmo que todos dizem : GUERREIRO.

Bom domingo e bem vindos de volta ao blog!