terça-feira, 21 de janeiro de 2020

4 Meses de quando te conheci


Tenho estado muito emocionada. Só pra "variar" um pouquinho. Passei uma semana cheia de mensagens e simbolismos. E HOJE, Nico faria 4 meses de vida, o famoso mensário. Quatro meses de quando ouvi seu chorinho como um miado, te vi pela primeira vez, todo enroladinho e te dei um beijinho na testa melada de vernix. Lá vem eu de novo com datas. Eu sei, tudo vai virar uma  data, tudo vai virar um período ou dia para relembrar, para 'comemorar', para digerir. 

Apenas quatro meses daquele dia 21 de setembro de 2019, à 1h30 da madrugada. Juntando com os dois meses de hospital e agora do luto, me parece que já faz quatro ANOS! A dor é infinita e a intensidade como as coisas se deram, me faz sentir como se fosse muito mais tempo. Lembro quando ainda estávamos no hospital e deram um diagnostico que ele tinha que ficar mais 3 semanas num determinado tratamento e eu surtei arrasada... já estávamos há 40 dias lá. Minha sogra disse (com a maior boa vontade): "Mas passa rápido, Leticia, vejam, vocês já estão há mais 40 dias ...num instante passa" Lembro que respondi indignada: "Passa rápido pra VOCÊS!! Pra quem está de fora, para quem não está lá o dia inteiro, todos os dias..." NOSSA, pra mim, as horas, os dias eram tensos e intensos... sempre recebendo notícias que podiam mudar de uma hora pra outra; e só sabe do massacre quem está alí em carne, osso e alma, vivendo aquele dia a dia. Agora, o tempo passa também se arrastando, e a gente se pega perguntando.. quando vou parar de sentir esse buraco, essa dor..? E ao mesmo tempo não querendo se dar prazos para a elaboração disso tudo. Sabendo-se que , mais uma vez, não vou superar e sim abrandar ou ressignificar esse momento. 

Ontem peguei minha caçula conversando com o filho da funcionária, que está em casa; eles tem quase a mesma idade e são amigos. Eles brincando abriram a porta do quarto de Nicolas e Lela falou: "você sabe né? Eu não queria te contar..". Ele responde: " eu sei, minha mãe me contou, e eu chorei muito quando ela me falou" ... Daí Estela rebate: "Ele devia ter vivido mais um pouquinho...". Aquilo me emocionou muito. Uma conversa pura entre crianças de 6 ,7 anos, falando livremente sobre o pesar delas. Tão lindo.<3 lindo.="" o="" p="" t="">

Outra coisa que me marcou muito esses dias foi ter conhecido uma pessoa, no grupo de Apoio ao Luto Gestacional e Neonatal (que aconteceu sábado), com uma história muito parecida comigo, e também escreveu num blog (transformado em livro). A Sandryne teve o Cauê, que ficou cinco longos meses na UTI Neonatal! E veio a falecer... Que luta meu Deus, literalmente da LUTA ao LUTO e do LUTO À LUTA. Faz quase 5 anos que Cauê se foi e agora é ela quem está me ajudando imensamente a transformar e elaborar essa dor. No mesmo dia que nos conhecemos trocamos whatsapp e ela disse: "Hoje você me assustou muito, com tantas coisas em comum que temos"...eu pedi desculpas dizendo que não queria ter mexido em casquinha de ferida. Ela muito docemente me diz "Não , de jeito nenhum, pelo contrário, é uma sensação de acolher. Conte comigo, de verdade." E, de fato, é uma pessoa em quem estou me apoiando, e tem me falado muitas coisas lindas e verdades. Como ela mesma disse: 'não acredito em coincidência, não parece ter sido por acaso que nos conhecemos... deve haver alguma razão para tantas coisas em comum.." 

Eu estava meio ausente daqui. E, embora - e por isso - eu tenha inventado uma porção de coisas para me ocupar, para passar o tempo, como coloquei no post anterior, não passo um minuto que seja sem pensar em Nicolas, sem sentir a saudade e o vazio. 
Não havia contado antes, mas no rompante deste período, impulsivamente decidi fazer algo para distrair e por prazer. Decidi viajarmos, nós cinco (sim, porque Nicolas vai na mente e no coração, pra sempre). Vamos pra Europa, ver uns amigos e passear. Além disso, ainda tem os aniversários das minhas preciosidades Lela e Nina, dias 27 e 31 de janeiro... Então tenho corrido, corrido, me ocupado com organização de viagem e afins, tentado desopilar. Mas não tem jeito, como diz Djavan:

"...E o pensamento lá em você
Eu sem você não vivo
Um dia triste
Toda fragilidade incide
E o pensamento lá em você
E tudo me divide

...Não te esquecerei um dia
Nem um dia
Espero com a força do pensamento
Recriar a luz que me trará você"

Te amo, Nico. Feliz 4 meses , de onde e com quem quer que estejas.

O dia D - 21/09/19

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

NÃO ESQUEÇO (nem um segundo)

Filhinho,

Já estamos em 2020.. e nas minhas projeções de 2019 e pensamentos lá atrás, se você tivesse vindo no tempo certo, por agora estaria com mais ou menos um mês de vida.
Como dói pensar que, na verdade, faz mais ou menos esse tempo que você se foi. Você partiu exatamente no período em que nasceria.
A frase que mais tem ecoado na minha mente esses últimos dias - principalmente nessas “festividades” de fim de ano- foi: “as pessoas esquecem mais rápido que a gente imagina”.
Li essa afirmação num relato de um pai que perdeu sua filha com poucos dias, no Instagram de “O Luto do Homem”. Desde então, isso tem ido e vindo na minha cabeça. Como se esquecem, como nos esquecem, meu filho. Mais rápido que pensamos, mais rápido que desejamos. “A vida segue” , muitos dizem e sentem. E claro, a vida segue sim para todos, mas pra mim , calma lá. Não tão rápido!!

Comentei isso com minha amiga (a mesma que já falei , que já passou por esse luto) e ela disse mais uma vez algo certíssimo: “A vida segue normalmente para as pessoas, a nossa vida é que para no tempo. Vc vai perceber isso.”
Mais do que a questão de parar no sentido de movimento, eu diria que o pior é sentir uma solidão tremenda, um abandono,a falta de uma simples curiosidade de como podemos estar. E somente quem passou por isso, normalmente é quem pergunta, é quem tem também “coragem” de tocar no assunto... é quem dá o ar da graça de vez em quando.
E eu acho impressionantemente CEDO pra ‘seguir a vida’... até pra estar melhor.. Dia desses ouvi comentarem que eu tive uma ‘recaída” pelo natal. Recaída??? Nossasinhora, estou em pleno e exposto luto!! Como que posso ter caído de novo se nem cheguei a levantar ainda?! Além do que , teve algo muito importante que aprendi nesse processo: a gente não supera a dor e a perda, porque NUNCA vou conseguir superar, mas sim ressignificamos essa perda. E se tem uma coisa que não dá, não quero, reluto.. e é impossível é esquecer de você. É não pensar e falar de você.
EU não tenho medo de falar disso tudo. SE EU NÃO FALAR (ou escrever) de você , COMO te manterei vivo aqui na minha memória e na minha vida?
Mas noto que a maioria das pessoas, dos amigos, receiam em tocar no assunto. Ou por medo de nos machucar. Ou de SE machucar. Ou mesmo, pior, acham que eu possa trazer uma vibe ruim ou pensamentos tristes e negativos. (Aliás, sobre isso , estava lendo dia desses um texto em torno de “positividade tóxica”, e li coisas incríveis de uma psicóloga: “..Sabe aquela ideia de que existe uma espécie de tirania da positividade em que só é permitido expressar, falar, os sentimentos “bons”? ..quanto mais a gente ignora os nossos sentimentos, mais perdemos a nossa habilidade de lidar com eles. E isso é tão perigoso quanto uma bomba-relógio.”

E as pessoas se esvaem, se afastam, silenciam.
Enquanto que pra mim uma simples e rápida pergunta “como você(s) está (ão) , Leticia?” pode ser tão significativa, tão forte e tão acolhedora . E tão arrebatadora também, porque quem sabe eu estou realmente a fim de contar como eu tenho estado.




Enfim, termino com um textinho escrito poucas horas antes de virar o ano:
Nesta década eu senti as emoções mais imensuráveis. Da alegria à tristeza, da plenitude ao vazio absoluto. Tive três filhos e perdi um. Nina abriu o decênio em 2010, Lela animou o 2014, e em 2019 , ah esse ultimo ano! ...comentei que ele foi o pior da minha vida! Mas tenho que lembrar e admitir que, além da partida, foi o ano da concepção, nascimento e (breve) vida de Nicolas. E ele sempre, sempre estará entre nós.
Se eu pudesse (mesmo que num desenho), acrescentaria a esta foto um anjinho com suas asas no colo da mamãe ou do papai.

Adeus 2010-2019... sejamos fortes para este novo desafio chamado 2020.

“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”
(Belchior)