quinta-feira, 28 de novembro de 2019

DA DOR E DO VAZIO


Quanta dor. Que buraco em mim. Quanta ausência e vazio. 

Estranho ter saudade até da rotina de Uti, das idas e vindas ao hospital. Da rotina, mesmo que dolorosa , que desenvolvi nesse tempo. Que saudade das suas mãozinhas de dedos longos (que eu sempre dizia que puxou as do pai). Do nariz mais lindo que um bebê pode ter. Quando olho para Estela relembro de você, olho pro nariz dela e lembro do seu. Que saudade dos seus pezinhos empurrando minhas mãos em concha. De alisar suas poucas e finas sobrancelhas loiras; de pentear seu cabelinho felpudo e ficar deslizando a mão em toda sua cabecinha. Que saudade de cada minuto com você, em pé ao lado da encubadora, ou nos poucos cangurus que fizemos. 


Cuidar e aproveitar das minhas filhas me dão um alento e força pra continuar. Mas ao mesmo tempo me traz uma sensação paradoxal: a de que por elas serem tão maravilhosas , eu queria tanto te ter , te ver crescer, te cuidar, te educar. Como se , ao ver minhas filhas, em vez de preencher meu vazio e abrandar meu luto, me aumentasse mais ainda o desejo de ter tido você entre a gente. Como algo que você aprecia e gosta tanto, que quer cada vez mais. E talvez tenha sido justo este o motivo de ter vindo um terceiro, pelo fato de quão incríveis são Valentina e Estela e como eu amo ser mãe. Falo de humaninhas inteligentes, sensíveis, educadas e que irradiam luz todo dia. ¨vocês não podem fechar a fábrica", muita gente dizia. 

Quando anunciei a gravidez, umas amigas disseram algo muito interessante , do tipo ' você e Rodrigo são o tipo de pessoas boas pra popular o mundo' , ou algo como "somos super a favor que vocês tenham mais filhos, pois a fabrica é muito boa¨. E aí surgiu você, quando menos esperávamos. E de troféu um Menino, para fechar com chave de ouro. 
Até hoje penso se estou vivendo um sonho (ou um pesadelo) que durou de abril a novembro; e que vai me acompanhar pela vida inteira. Será que uma ¨lei da compensação¨ atuou na nossa história e não deixou que tivéssemos uma vida, uma família perfeita? Estava bom demais para ser verdade? Ou já estava suficiente para querer mais? Seria ganância e egoísmo da minha parte querer mais um, e logo um menino, quando tudo já estava tão bom? Porque que eu não mereci? Porque fomos castigados? Porque me levaram você?

Filho, esta semana completaríamos a gestação. Chegaríamos a termo. Mas tive que me despedir de você justamente num período que seria o do seu nascimento. Temos que lidar com uma partida, quando deveria ser a chegada. E, coincidentemente, no mês Mundial da Prematuridade - o Novembro Roxo. 

Por duas vezes voltei para casa sem você. Apenas com um vazio. Com os braços vazios. A primeira dor, ao nascer prematuro, foi a de voltar para casa sem ti, deixando-o nas mãos de um hospital, de um leito que não seu berço. E a segunda , e dilacerante, foi sua partida. Agora me encontro atônita, perdida, inerte, incapaz, com os braços, seu quarto e a alma mais vazios do que nunca.  

Pouco antes de você ir, seu pai lhe dedicou o texto abaixo: 

Nicolas
Ouvi seu choro mudo e me vi em seus olhos miúdos. Posso jurar que estava fingindo dormir. E eu fugindo num quase lembrar.
Lembrei que você corria pela casa.
Lembrei de você falando uma primeira palavra.
Lembrei de muitos abraços e que um dia me pôs no colo.
Lembrei que correu o mundo e encontrou algum trabalho que gostava de fazer.
Lembrei que encontrou um amor e se perdeu.
Lembrei que cantou com amigos esse amor perdido e viveu um desencanto.. lembrei do seu espanto nesse dia.
Lembrei também, depois, de chorar de alívio ao te ver sorrir.
Lembrei do dia em que morri e você estava lá.
Lembrei de tudo que devia ter sido e que, assim, foi. Talvez só assim é que se possa finalmente ser.
No colo de sua mãe, nas mãos das suas irmãs, nos olhos de suas avós, na esperança de suas tias e tios. Na companhia dos amigos. Foi tudo e foi um pouco mais.
Descanse meu filho em mim.





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