segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ATÉ BREVE, NICOLAS


Está chovendo. Está cinza. Num Recife em pleno verão e calorento. Escuto a água batendo na janela e penso em minhas lágrimas. Quantas já chorei de ontem pra hoje. E como parecem com aquela chuva. 
Hoje está sendo mais um dia pesadíssimo, se arrastando. Hoje faz três semanas da sua partida (numa segunda-feira à tarde). Estou desolada. Acordei decidia a resolver coisas e me desfazer de muitas roupinhas que tinha ganho e algumas coisas ainda de grávida emprestadas. Ao meio dia, já tinha brigado com marido e filhas e desabado no quarto.

No fim de semana fui a um encontro de apoio ao luto gestacional e Neonatal. Fizemos muitas atividades interessantes (com uma arte-terapeuta) e, claro, também discorremos sobre nossas vidas e mortes. Sem dúvida foi maravilhoso conhecer todas aquelas mulheres, carregando uma dor semelhante à minha e, como disse a moderadora Cristiane - do Instituto Transforma (a dor) - sem julgamentos, sem opiniões, sem crenças impostas e com muita empatia. Contudo, foi também um momento de partilha e , portanto, de encarar de frente e mexer na nossa história, no meu luto, ainda muito visceralmente aberto, como uma ferida exposta.

Comecei também a ler o livro "Até Breve , José" (graças ao Instituto, que me emprestou) e, impressionantemente, as palavras da Camila parecem que estão saindo do meu teclado, da minha boca, da minha mente. Tudo muito semelhante. Incrível como pensamos igual e como as histórias do José e do Nicolas foram parecidas. Inclusive, ao folhear pela primeira vez o livro, ainda no Encontro... abro justamente na página "A corrente do xixi". Mais uma coincidência!  Lá, ela fala sobre os rins do José; que haviam parado e sobre amigas e mães que fizeram orações e pensamentos para que o xixi viesse. Revivi o fatídico dia em que constatamos que Nico não tinha mais feito xixi. 
:-(

Agora pouco, antes de chover, estava lendo uma parte em que ela fala do quão é difícil responder à simples pergunta: COMO VOCÊ ESTÁ? Não apenas a amigos, mas aos porteiros, a pessoas na rua, a entregadores de comida, a gente que você conhece pouco, mas te viu grávida. Temos que fazer cara de paisagem, mentir ou tentar desviar do assunto. Essa última semana evitei ir à minha cabelereira, que participava muito da minha gravidez. E evitei também, com tristeza, ir ao aniversário de uma das minhas melhores amigas, para não socializar e me deparar com olhares e perguntas. Sem falar em evitar, quase todo dia, de ir à escola das mais velhas, por razões óbvias. 

Mas, como colocou Camila em seu livro, assim como escutamos muitas palavras vazias, pré-formatadas ("foi Deus quem quis assim¨, "seja forte") ou, pior, cruzamos com pessoas fingindo que nada aconteceu, também nos deparamos com o choro de algumas delas. O choro sincero e sentido de algumas pessoas que sabem o que aconteceu. Ou que também choram por seus filhos, pelo medo do que possa acontecer a eles. Assim foi comigo no hospital. A amizade que fiz e o período que passamos por lá sensibilizou a quase todos. Nos últimos dias de Nico vi muitas enfermeiras chorarem comigo, vi médicos com anos e anos de profissão também chorarem ao conversar comigo e com Rodrigo. Vi alguns se emocionarem ao falarem de cuidados paliativos (lembrando da perda de seu pai ou mãe).

Hoje, aliás, talvez por lembrar que a ida de Nicolas foi numa segunda-feira, recebi mensagens carinhosas de duas médicas da UTI. Uma, da também responsável pelo Banco de Leite, perguntando como nós estamos e desejando uma boa semana, e outra da Diretora da UTI, justamente agradecendo a enorme doação de leite materno que fiz ao hospital. Em tempo, logo mais abrirei um post somente sobre o processo de aleitamento de mãe de Uti , sobre ordenhas, sobre Leites, bombinhas de retirar e sobre minha doação. 

Enfim, hoje, lembrando que o luto não é um trajeto linear, desabei mais, relembrei mais, me incomodei mais e estou sentindo muito. Hoje, mais que nunca, estou entoando: "Até breve, Nicolas"



(Obs- o curioso é que, neste blog, praticamente estou fazendo o caminho inverso...cronologicamente falando. Relatei o dia em que Nico partiu, o dia a dia do luto, falei e falarei mais da rotina do hospital, mas tenho ensaiado muito em escrever, e vai sair (um texto gigante, claro), o relato de gestação e NASCIMENTO do meu pequeno. Assim como o fiz para Valentina e Estela. 

Um comentário:

  1. O seu filho será eternamente recordado pelos que ficaram, e principalmente por você, que tanto amor lhe dedicava e que agora o manterá presente através da sua saudade e amor.

    Muita força, muita coragem! o tempo cura tudo, forte abraco

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