terça-feira, 21 de janeiro de 2020

4 Meses de quando te conheci


Tenho estado muito emocionada. Só pra "variar" um pouquinho. Passei uma semana cheia de mensagens e simbolismos. E HOJE, Nico faria 4 meses de vida, o famoso mensário. Quatro meses de quando ouvi seu chorinho como um miado, te vi pela primeira vez, todo enroladinho e te dei um beijinho na testa melada de vernix. Lá vem eu de novo com datas. Eu sei, tudo vai virar uma  data, tudo vai virar um período ou dia para relembrar, para 'comemorar', para digerir. 

Apenas quatro meses daquele dia 21 de setembro de 2019, à 1h30 da madrugada. Juntando com os dois meses de hospital e agora do luto, me parece que já faz quatro ANOS! A dor é infinita e a intensidade como as coisas se deram, me faz sentir como se fosse muito mais tempo. Lembro quando ainda estávamos no hospital e deram um diagnostico que ele tinha que ficar mais 3 semanas num determinado tratamento e eu surtei arrasada... já estávamos há 40 dias lá. Minha sogra disse (com a maior boa vontade): "Mas passa rápido, Leticia, vejam, vocês já estão há mais 40 dias ...num instante passa" Lembro que respondi indignada: "Passa rápido pra VOCÊS!! Pra quem está de fora, para quem não está lá o dia inteiro, todos os dias..." NOSSA, pra mim, as horas, os dias eram tensos e intensos... sempre recebendo notícias que podiam mudar de uma hora pra outra; e só sabe do massacre quem está alí em carne, osso e alma, vivendo aquele dia a dia. Agora, o tempo passa também se arrastando, e a gente se pega perguntando.. quando vou parar de sentir esse buraco, essa dor..? E ao mesmo tempo não querendo se dar prazos para a elaboração disso tudo. Sabendo-se que , mais uma vez, não vou superar e sim abrandar ou ressignificar esse momento. 

Ontem peguei minha caçula conversando com o filho da funcionária, que está em casa; eles tem quase a mesma idade e são amigos. Eles brincando abriram a porta do quarto de Nicolas e Lela falou: "você sabe né? Eu não queria te contar..". Ele responde: " eu sei, minha mãe me contou, e eu chorei muito quando ela me falou" ... Daí Estela rebate: "Ele devia ter vivido mais um pouquinho...". Aquilo me emocionou muito. Uma conversa pura entre crianças de 6 ,7 anos, falando livremente sobre o pesar delas. Tão lindo.<3 lindo.="" o="" p="" t="">

Outra coisa que me marcou muito esses dias foi ter conhecido uma pessoa, no grupo de Apoio ao Luto Gestacional e Neonatal (que aconteceu sábado), com uma história muito parecida comigo, e também escreveu num blog (transformado em livro). A Sandryne teve o Cauê, que ficou cinco longos meses na UTI Neonatal! E veio a falecer... Que luta meu Deus, literalmente da LUTA ao LUTO e do LUTO À LUTA. Faz quase 5 anos que Cauê se foi e agora é ela quem está me ajudando imensamente a transformar e elaborar essa dor. No mesmo dia que nos conhecemos trocamos whatsapp e ela disse: "Hoje você me assustou muito, com tantas coisas em comum que temos"...eu pedi desculpas dizendo que não queria ter mexido em casquinha de ferida. Ela muito docemente me diz "Não , de jeito nenhum, pelo contrário, é uma sensação de acolher. Conte comigo, de verdade." E, de fato, é uma pessoa em quem estou me apoiando, e tem me falado muitas coisas lindas e verdades. Como ela mesma disse: 'não acredito em coincidência, não parece ter sido por acaso que nos conhecemos... deve haver alguma razão para tantas coisas em comum.." 

Eu estava meio ausente daqui. E, embora - e por isso - eu tenha inventado uma porção de coisas para me ocupar, para passar o tempo, como coloquei no post anterior, não passo um minuto que seja sem pensar em Nicolas, sem sentir a saudade e o vazio. 
Não havia contado antes, mas no rompante deste período, impulsivamente decidi fazer algo para distrair e por prazer. Decidi viajarmos, nós cinco (sim, porque Nicolas vai na mente e no coração, pra sempre). Vamos pra Europa, ver uns amigos e passear. Além disso, ainda tem os aniversários das minhas preciosidades Lela e Nina, dias 27 e 31 de janeiro... Então tenho corrido, corrido, me ocupado com organização de viagem e afins, tentado desopilar. Mas não tem jeito, como diz Djavan:

"...E o pensamento lá em você
Eu sem você não vivo
Um dia triste
Toda fragilidade incide
E o pensamento lá em você
E tudo me divide

...Não te esquecerei um dia
Nem um dia
Espero com a força do pensamento
Recriar a luz que me trará você"

Te amo, Nico. Feliz 4 meses , de onde e com quem quer que estejas.

O dia D - 21/09/19

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

NÃO ESQUEÇO (nem um segundo)

Filhinho,

Já estamos em 2020.. e nas minhas projeções de 2019 e pensamentos lá atrás, se você tivesse vindo no tempo certo, por agora estaria com mais ou menos um mês de vida.
Como dói pensar que, na verdade, faz mais ou menos esse tempo que você se foi. Você partiu exatamente no período em que nasceria.
A frase que mais tem ecoado na minha mente esses últimos dias - principalmente nessas “festividades” de fim de ano- foi: “as pessoas esquecem mais rápido que a gente imagina”.
Li essa afirmação num relato de um pai que perdeu sua filha com poucos dias, no Instagram de “O Luto do Homem”. Desde então, isso tem ido e vindo na minha cabeça. Como se esquecem, como nos esquecem, meu filho. Mais rápido que pensamos, mais rápido que desejamos. “A vida segue” , muitos dizem e sentem. E claro, a vida segue sim para todos, mas pra mim , calma lá. Não tão rápido!!

Comentei isso com minha amiga (a mesma que já falei , que já passou por esse luto) e ela disse mais uma vez algo certíssimo: “A vida segue normalmente para as pessoas, a nossa vida é que para no tempo. Vc vai perceber isso.”
Mais do que a questão de parar no sentido de movimento, eu diria que o pior é sentir uma solidão tremenda, um abandono,a falta de uma simples curiosidade de como podemos estar. E somente quem passou por isso, normalmente é quem pergunta, é quem tem também “coragem” de tocar no assunto... é quem dá o ar da graça de vez em quando.
E eu acho impressionantemente CEDO pra ‘seguir a vida’... até pra estar melhor.. Dia desses ouvi comentarem que eu tive uma ‘recaída” pelo natal. Recaída??? Nossasinhora, estou em pleno e exposto luto!! Como que posso ter caído de novo se nem cheguei a levantar ainda?! Além do que , teve algo muito importante que aprendi nesse processo: a gente não supera a dor e a perda, porque NUNCA vou conseguir superar, mas sim ressignificamos essa perda. E se tem uma coisa que não dá, não quero, reluto.. e é impossível é esquecer de você. É não pensar e falar de você.
EU não tenho medo de falar disso tudo. SE EU NÃO FALAR (ou escrever) de você , COMO te manterei vivo aqui na minha memória e na minha vida?
Mas noto que a maioria das pessoas, dos amigos, receiam em tocar no assunto. Ou por medo de nos machucar. Ou de SE machucar. Ou mesmo, pior, acham que eu possa trazer uma vibe ruim ou pensamentos tristes e negativos. (Aliás, sobre isso , estava lendo dia desses um texto em torno de “positividade tóxica”, e li coisas incríveis de uma psicóloga: “..Sabe aquela ideia de que existe uma espécie de tirania da positividade em que só é permitido expressar, falar, os sentimentos “bons”? ..quanto mais a gente ignora os nossos sentimentos, mais perdemos a nossa habilidade de lidar com eles. E isso é tão perigoso quanto uma bomba-relógio.”

E as pessoas se esvaem, se afastam, silenciam.
Enquanto que pra mim uma simples e rápida pergunta “como você(s) está (ão) , Leticia?” pode ser tão significativa, tão forte e tão acolhedora . E tão arrebatadora também, porque quem sabe eu estou realmente a fim de contar como eu tenho estado.




Enfim, termino com um textinho escrito poucas horas antes de virar o ano:
Nesta década eu senti as emoções mais imensuráveis. Da alegria à tristeza, da plenitude ao vazio absoluto. Tive três filhos e perdi um. Nina abriu o decênio em 2010, Lela animou o 2014, e em 2019 , ah esse ultimo ano! ...comentei que ele foi o pior da minha vida! Mas tenho que lembrar e admitir que, além da partida, foi o ano da concepção, nascimento e (breve) vida de Nicolas. E ele sempre, sempre estará entre nós.
Se eu pudesse (mesmo que num desenho), acrescentaria a esta foto um anjinho com suas asas no colo da mamãe ou do papai.

Adeus 2010-2019... sejamos fortes para este novo desafio chamado 2020.

“Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro
Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”
(Belchior)





segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

TUDO AO REDOR


Fim de ano. E, muito além do que possar significar as festas nesse período e como isso pode impactar nas pessoas em luto, tenho estado rodeada de simbolismos, de lembranças, de datas. Na verdade, pouco me importa ou me afeta Natal e ano novo. Nesses dias, duas datas tem sido muito mais  significativas para nós: o dia 21/12, do nascimento e quando Nico completaria três meses de vida, e o 25/12, justamente Natal, data em que fará 1 mês da morte. Curiosamente, estou escrevendo hoje,  no meio dessas duas datas. Talvez por uma 'auto-proteção', pois creio que não teria condições emocionais para escrever nos dias exatos.

Foram muitas coisas de sexta pra cá. Decidimos ir a Barra Grande com a família. O que significa para mim ter lembranças, muitas lembranças. Da última vez que estive lá, estava grávida dele, com uns cinco meses. Sem falar que a casa, a praia, o ambiente, tudo me remete às minhas bebês..  ainda mamando e pequeninas, quando as ninava na varanda, dava de mamar no palhoção de frente ao mar, eu dormia pouco, cansava muito e trocava fraldas na sala. Além disso tudo, estivemos este fim de semana com nossa sobrinha, que nasceu apenas 10 dias antes de Nicolas, e estava lá, linda , esbanjando saúde. O que despertou em mim um sentimento bastante ambíguo, pois queria aproveitá-la, acariciar, estar junto, curtir , curtir, mas ao mesmo tempo, fiquei muito sensível ao ver um bebê da mesma 'idade' e sabendo que não teria o MEU bebê para trocar a fralda ou ouvir o choro. Uma sensação muito, muito confusa. 

Fiquei bastante perturbada também com uns sonhos que tive. O primeiro, na verdade , um pesadelo, foi um dia antes de irmos à praia. Nele, eu e mais uma pessoa, que acredito ser o Rodrigo, sofríamos um terrível acidente de carro. Nesse acidente, que envolvia três carros, eu via os dois outros baterem em postes e meio fio e se destruindo, no que eu presumia que os ocupantes dos carros haviam morrido e nosso carro era o único em que ninguém morreu. Lembro que no sonho, logo após o desastre, eu gritava muito, desesperada, chorando, mas agradecendo com fervor por estar viva ("ai, meu Deus, obrigada, obrigada, estamos vivos,  só nós estamos vivos!". Entretanto, da mesma forma que gritava agradecendo, eu dizia e sentia uma culpa gigante por estar viva e os outros não; e gritava "eles morreram por nossa causa! eu deveria estar  morta também". Um misto de gratidão e angústia, muita culpa e dó por AQUELAS pessoas terem morrido (e não eu).  Enfim, comentei isso com o Rodrigo e ele soltou um " é exatamente tudo que a gente passou!!". Daí me lembrei que, no nascimento prematuro de Nicolas, eu também achei que podia morrer, eu sabia que EU também poderia ir junto. Tive muito medo e achava que podia acontecer.  Um tempo depois, já no hospital, no final dos dois meses de tempo dele, tive uma conversa com minha mãe na qual ela disse muito emocionada "até minha vida já ofereci em troca da dele, pois eu já vivi o suficiente..." :-(  Partindo desse raciocínio e voltando ao sonho, é como se eu tivesse dizendo ou pensando isso: eu NÃO sou grata por ter ficado viva (em detrimento de 'outros', do meu filho). A ordem das coisas deveriam (mas sei que não são) ser outra. Porque não deixar em vida um bebê cheio de história pela frente? Porque que ele não viveu e eu continuo aqui?  
(ao pensar assim, tento voltar à realidade aqui e agora e colocar na mente: pelas minhas meninas!, estou aqui ainda por elas!)

O segundo sonho que tive foi de ontem pra hoje. Como tenho dormido bem mal, ontem tomei um remédio para esquecer um pouco e para pegar no sono mais rápido. Mas parece que foi pior. Tive mais um sonho bem aflitivo. Nele, era como se eu tivesse ou voltasse ao hospital e a neonatologista que o acompanhou todo o tempo chegava para mim e dizia: " Leticia, não sei se eu deveria lhe contar isso, e não vai mudar nada.. mas Nicolas está VIVO. Não vai mudar porque ele ainda está muito mal, mas naquele dia nós o mantivemos aqui e ele ainda tá em vida, mas não está bem". Eu ficava indignada porque ninguém tinha me dito nada e ainda questionava "mas eu vi TUDO! ele estava no meu colo quando morreu.. e eu vi arrumando-o." No final , não lembro como ficou.. o que aconteceu depois, mas é obvio que isso é o meu desejo explícito de que ele voltasse, de que ainda nos encontrássemos nessa vida. Ou da vinda de um milagre , como tanto pedi.

E finalmente, outras coisinhas me deram uma chacoalhada. Chegando em casa na volta da praia recebo um envelope grande enviado pelo Banco de Leite do hospital. Eram um Certificado de agradecimento como Doadora de leite materno e um chocolatinho de 'Boas festas'. Mais uma vez, dou um breve sorriso de satisfação, mas é inevitável relembrar: quantas milhares de horas não passei naquele banco de leite e em casa retirando e separando leite pro MEU filho? mas não foi para ele? Sim, senhoras e senhores, é um pensamento egoísta. Mas é também uma lembrança sincera, um reconhecimento do meu esforço e, na época, pela minha torcida por ele. 

Dia 25 está aqui, do lado, celebrando o nascimento de Jesus. Mas por aqui, justo o oposto, um mês de luto.
Vou conseguir escrever? Não sei, não creio.. Penso que o nível de elaboração que quero atingir está numa mensagem que recebi hoje, de um velho amigo velho e bem experiente de vida:
"Penso que nossos mortos jamais nos abandonam. No princípio , com muita dor. Depois, como um perfume que alegra nossa alma."

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ATÉ BREVE, NICOLAS


Está chovendo. Está cinza. Num Recife em pleno verão e calorento. Escuto a água batendo na janela e penso em minhas lágrimas. Quantas já chorei de ontem pra hoje. E como parecem com aquela chuva. 
Hoje está sendo mais um dia pesadíssimo, se arrastando. Hoje faz três semanas da sua partida (numa segunda-feira à tarde). Estou desolada. Acordei decidia a resolver coisas e me desfazer de muitas roupinhas que tinha ganho e algumas coisas ainda de grávida emprestadas. Ao meio dia, já tinha brigado com marido e filhas e desabado no quarto.

No fim de semana fui a um encontro de apoio ao luto gestacional e Neonatal. Fizemos muitas atividades interessantes (com uma arte-terapeuta) e, claro, também discorremos sobre nossas vidas e mortes. Sem dúvida foi maravilhoso conhecer todas aquelas mulheres, carregando uma dor semelhante à minha e, como disse a moderadora Cristiane - do Instituto Transforma (a dor) - sem julgamentos, sem opiniões, sem crenças impostas e com muita empatia. Contudo, foi também um momento de partilha e , portanto, de encarar de frente e mexer na nossa história, no meu luto, ainda muito visceralmente aberto, como uma ferida exposta.

Comecei também a ler o livro "Até Breve , José" (graças ao Instituto, que me emprestou) e, impressionantemente, as palavras da Camila parecem que estão saindo do meu teclado, da minha boca, da minha mente. Tudo muito semelhante. Incrível como pensamos igual e como as histórias do José e do Nicolas foram parecidas. Inclusive, ao folhear pela primeira vez o livro, ainda no Encontro... abro justamente na página "A corrente do xixi". Mais uma coincidência!  Lá, ela fala sobre os rins do José; que haviam parado e sobre amigas e mães que fizeram orações e pensamentos para que o xixi viesse. Revivi o fatídico dia em que constatamos que Nico não tinha mais feito xixi. 
:-(

Agora pouco, antes de chover, estava lendo uma parte em que ela fala do quão é difícil responder à simples pergunta: COMO VOCÊ ESTÁ? Não apenas a amigos, mas aos porteiros, a pessoas na rua, a entregadores de comida, a gente que você conhece pouco, mas te viu grávida. Temos que fazer cara de paisagem, mentir ou tentar desviar do assunto. Essa última semana evitei ir à minha cabelereira, que participava muito da minha gravidez. E evitei também, com tristeza, ir ao aniversário de uma das minhas melhores amigas, para não socializar e me deparar com olhares e perguntas. Sem falar em evitar, quase todo dia, de ir à escola das mais velhas, por razões óbvias. 

Mas, como colocou Camila em seu livro, assim como escutamos muitas palavras vazias, pré-formatadas ("foi Deus quem quis assim¨, "seja forte") ou, pior, cruzamos com pessoas fingindo que nada aconteceu, também nos deparamos com o choro de algumas delas. O choro sincero e sentido de algumas pessoas que sabem o que aconteceu. Ou que também choram por seus filhos, pelo medo do que possa acontecer a eles. Assim foi comigo no hospital. A amizade que fiz e o período que passamos por lá sensibilizou a quase todos. Nos últimos dias de Nico vi muitas enfermeiras chorarem comigo, vi médicos com anos e anos de profissão também chorarem ao conversar comigo e com Rodrigo. Vi alguns se emocionarem ao falarem de cuidados paliativos (lembrando da perda de seu pai ou mãe).

Hoje, aliás, talvez por lembrar que a ida de Nicolas foi numa segunda-feira, recebi mensagens carinhosas de duas médicas da UTI. Uma, da também responsável pelo Banco de Leite, perguntando como nós estamos e desejando uma boa semana, e outra da Diretora da UTI, justamente agradecendo a enorme doação de leite materno que fiz ao hospital. Em tempo, logo mais abrirei um post somente sobre o processo de aleitamento de mãe de Uti , sobre ordenhas, sobre Leites, bombinhas de retirar e sobre minha doação. 

Enfim, hoje, lembrando que o luto não é um trajeto linear, desabei mais, relembrei mais, me incomodei mais e estou sentindo muito. Hoje, mais que nunca, estou entoando: "Até breve, Nicolas"



(Obs- o curioso é que, neste blog, praticamente estou fazendo o caminho inverso...cronologicamente falando. Relatei o dia em que Nico partiu, o dia a dia do luto, falei e falarei mais da rotina do hospital, mas tenho ensaiado muito em escrever, e vai sair (um texto gigante, claro), o relato de gestação e NASCIMENTO do meu pequeno. Assim como o fiz para Valentina e Estela. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

NÃO SEI


Hoje simplesmente me deparei com esse poema de Cora Coralina e não acreditei. Soltei um PQP de tanta emoção e identificação. Que lindo, que verdadeiro, que oportuno!! 

DEDICO PARA MEU ANJO 
(e para toda a minha família e amigas que me visitaram essa semana)


Não sei
Não sei…
se a vida é curta
ou longa demais para nós.
Mas sei que nada do que vivemos
tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe,
braço que envolve,
palavra que conforta,
silêncio que respeita,
alegria que contagia,
lágrima que corre,
olhar que sacia,
amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo:
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
não seja nem curta,
nem longa demais,
mas que seja intensa,
verdadeira e pura…
enquanto durar.
portrait.jpg
Finalizo aqui com a imagem que estou usando no meu perfil do Whatsapp (e achei bem parecida com eu e Rodrigo juntos) de uma ilustradora francesa maravilhosa, Anne Korrig, que costuma muito desenhar famílias que perderam filhos. Nessa, ela pôs a seguinte legenda:
« Je te tiendrai dans mon cœur jusqu’à ce que je puisse
 te tenir dans mes bras. »
-anonyme-

Link para o Blog dela: https://korriganne.com/page/3/

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

"A MÃE ORFÃ"


Filho, faz duas semanas que você partiu. Não tem um dia, uma única noite, que não pense em você.

 Aliás, as noites pra mim tem sido um suplício. Não tenho conseguido dormir, muitas insônias, muitos pensamentos, muita saudade, e muita falta do que não tive. Fico pensando como seria com ele e o que estaríamos fazendo, ou se já estaria em casa e mamando. Se eu teria uma noite mal dormida simplesmente por cuidar e acordar com meu bebê 'recém-nascido', com seu choro, e pra mamar. Preciso até registrar aqui um sonho que tive com ele, dias antes de nos deixar. Sonhei que ele já estava grande , chegando aos seus vinte anos, mas com a mesma carinha e cabelo de bebê; ele ia até meu trabalho , onde haveria um evento, e eu celebrava em tom de pergunta " Mas filho, você veio? Que bom , e saiu do hospital? Mas tudo bem ter tirado o tubo pra respirar?" E ele me respondia: "Sim, mãe , não tem problema, eu tenho um um negócio aqui para urgência"  (como se estivesse com uma bombinha de asma ou um aparelhinho que o ajudasse, caso precisasse respirar melhor..). 
Mas atualmente, tenho tido muita dificuldade para dormir pensando em tudo. E, pela manhã, acabo não tendo estímulo e vontade de acordar, ou estou cansada da surra de reflexões, ou do choro da noite anterior. 

Esta semana é muito significativa pra mim. Hoje completam duas semanas que ele se foi, mas na verdade, somente amanhã seria sua Data Provável de Parto (DPP). E cá estou eu, em vez de estar resolvendo coisas para o 'nascimento', estou justo começando a tratar da ausência, da falta , do não ter Nico. Ter que cancelar o plano de saúde, que só durou um mês e foi uma burocracia para incluir. Ter que olhar e lidar uma 'Certidão de Óbito'. Lembro de uma conversa que tivemos no hospital, a psicóloga ter dito algo importantíssimo: "estamos lidando com extremos paradoxais, pensar na morte, quando se deveria estar falando do começo da vida".

Tem sido extremamente difícil ter, ao lado do meu, um quarto praticamente pronto, com dois berços e uma série de outras coisas guardadas. Ter que aos poucos começar a nos desfazer dessas coisas. E é mais duro ainda constatar que a cada coisa desfeita, vendida, levada, doada, teremos cada vez menos o Nicolas, que não há volta, que ele se foi. Sinto que tirar os rastros materiais, também é se distanciar...e se distanciar até da tristeza, do luto... Por isso, tenho guardado numa maletinha que a tia Dani deu, desde a festinha de descoberta do sexo, cada lembrança do meu anjo. Pulseiras de hospital, umbigo, carimbo dos pezinhos, mechas do cabelo. E esta seguirá  comigo até o fim da minha vida, onde quer que esteja. 

Dia desses assistindo a uma série, um adolescente, pensando na morte da mãe, escreve o seguinte (que me identifiquei muito): 
A teoria do espaço tempo pode ser aplicada ao mundo real. O passado não desaparece, permanece dentro de nós, em nosso presente. O tempo volta como um vídeo; que repete as mesmas cenas diversas vezes. (...) um gesto simples (fica). Seguir em frente é uma ilusão. Como diz Einstein: as coisas mudam superficialmente, mas no fundo continuam iguais. 
E se a dor não fosse um obstáculo a ser superado? Fosse só uma estrada a ser percorrida. E haverá sempre um detalhe... que não te abandona nunca. 

Isso tudo, toda essa questão do seguir em frente, me faz lembrar de um artigo que li - ainda no hospital, na iminência da partida de Nic - da maravilhosa Eliane Brum, intitulado "A Mãe órfã". Nele, a jornalista brilhantemente joga luz no luto neonatal, no começo da utilização de cuidados paliativos em UTIs Neonatais (como aconteceu com Nicolas), no processo de elaboração de pais enlutados e também daquilo que citei acima: como lidar com a morte de quem acabou de nascer. Com muita sensibilidade , ela também expõe sua história, na qual os pais perderam a sua irmã (antes dela) que tinha apenas 5 meses. 
Link para o artigo na íntegra:
"A Mãe Órfã - Lutos Mal Elaborados também matam"

Colo aqui algumas passagens bem importantes:

"O que pouca gente parece compreender é que a vida do bebê, para os pais, não começou no seu nascimento. Iniciou muito antes, quando aquele casal sonhou com um filho, concebeu sua existência. E nele depositou suas melhores esperanças e desejos de continuidade. É uma vida muito mais longa do que horas, dias, semanas, meses. Antes de um bebê existir como indivíduo, para os pais ele já é. E é da forma mais cara para os humanos – como desejo. Quando tudo isso é arrebentado por uma morte precoce, se a família não é bem cuidada, ela se arrebenta inteira."

"É importante que essa vida seja não esquecida – mas lembrada como uma história que, apesar de curta, teve bons e maus momentos, como todas as vidas. Lembrada em fotos e recordações como parte da trajetória daquela família. Uma trajetória que segue."

"Ao fazer esta reportagem, testemunhei o lugar ambíguo dos homens na morte de um bebê. Há um reconhecimento social de que, por ter gerado, a mulher é, se não a única, a maior sofredora. Muitas vezes seu sofrimento é tão aniquilador que não deixa espaço para a dor do homem, do pai daquele bebê.
O homem, que foi educado para suportar a dor em silêncio, para proteger a mulher, para ser o provedor e o esteio – e ainda hoje estes papéis são mais cimentados do que parece – aceita esse lugar menor no luto."

"Conto esta história na esperança que, agora e no futuro, homens e mulheres possam ter a chance de ser compreendidos na enormidade da sua perda e fazer um luto que torne possível seguir a vida. Transformar a dor em algo ativo é parte da superação da perda."


quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

QUAL O PROPÓSITO?


Hesitei um pouco para fazer esta postagem, mas precisava. Como tudo que tenho colocado pra fora. Sei que vou polemizar ou chocar algumas pessoas e talvez criar alguns desafetos. Mas queria desabafar um pouco sobre o papel de DEUS nisso tudo. Ou pelo menos o papel que ATRIBUEM a Deus e tentam nos passar. Assim como algumas frases e comentários que nos são ditos nesse momento de luto.


Na verdade , desde nossa estadia na UTI, antes de Nicolas partir, nos momentos mais duros, sempre ouvíamos, de forma unânime, coisas do tipo:  "Entregue nas mãos de Deus" , ¨Deus sabe o que faz¨, "Para tudo Deus tem um propósito" , ¨Deus no comando¨" , "Deus é o médico de todos os médicos". Lembro até de uma avó muito religiosa que frequentava a Sala das Mães - num momento que minha irmã estava fazendo massagem nas minhas costas e cabeça, eu perguntei (para minha familia): "Existe massagem para acalmar o coração?", ela responde prontamente e alto:  "TEM! Jesus!"

Não que eu seja atéia , ou não acredite, até porque sou um tanto 'em cima do muro' no âmbito religião, cheguei a orar fervorosamente pelo meu filho e aceitei e aceito de muito bom grado qualquer forma de fé e de oração a nosso favor. 
Porém, naquele momento, eu me perguntava muito: mas qual o propósito Dele? Nos fazer sofrer? Se Deus sabe o que faz, porque não dá saúde para esta pessoinha com tão pouco tempo de vida presa, doente, numa encubadora? Se eu como mãe  'entregasse nas mãos de Deus' , eu não deveria, então, me preocupar com a evolução dele? E ainda, se Ele estava no comando, porque dirigia tão tortuosamente?


Agora que o pior aconteceu, também escutamos frases recorrentes: "Espero que Deus lhe conforte", "que Deus lhes protejam", "Que Deus lhe dê forças" , "peço a Deus que lhe traga paz" , "Nosso Deus sabe o que é melhor". 
Gente, seria realmente MELHOR Deus tirar uma criança do mundo, do colo e peito de sua mãe, do seio familiar? Acho tudo tão contraditório. Se Deus tinha um PROPÓSITO, qual é esse propósito? De plantar naquela família a dor e a tristeza? Sei que muitos vão me responder (assim como todas as frases prontas anteriores): ¨Você não vai entender agora; futuramente, vai ver que Nicolas tinha uma missão, que havia uma explicação..." 


Como me disse uma pessoa: atribuir tudo a Deus "é de certa forma, um cala boca" , ou seja, uma maneira de se encerrar naquilo, de apagar tudo. Eu prefiro acreditar em outra teoria - que também discuti com uma amiga - de que ¨as pessoas procuram e dão o sentido que suportam às suas vidas, às suas dores, aos seus milagres¨. Ou seja, esse Deus usado aqui e acolá muitas vezes é a muleta, o jeito de suportarem algo; e de achar que é também a forma mais indicada de outros suportarem esta dor. Da minha parte, concordo que cada um deve elaborar da maneira que quiser e achar mais efetiva, ou de dar um sentido, só não acho que deva tentar IMPOR qual sentido devemos dar.

Sei que as pessoas tem as melhores das intenções e , como reconheci no post anterior, o apoio dos nossos próximos, seja lá de que forma venha este apoio, é muito melhor e mais reconfortante do que a falta dele. Eu agradeço, e com carinho, a cada uma das pessoas que pensam na gente, que nos escrevem, que se preocupam, colocando Deus ou não. 

Esta minha reflexão coaduna também com as histórias de mães 'tentantes', ou que perderam bebês e estão no luto pós aborto. E me lembrei de um artigo interessante que citava o que NÃO dizer a uma mãe (ou pai) em processo de luto , seja em qual idade gestacional ou do bebê. Segue: 

Me tocou especialmente a frase da Camila Goyatacaz (que me lembro bem da época que morava em SP e era colega dos grupos de mães), autora de Até Breve, José: "A nossa dor, mães de bebês, não é carregada de saudade do que vivemos, mas saudade do que não vivemos! Choramos pelas fraldas que não trocamos, pelos beijos que não demos. Choramos pelas noites que não passamos acordadas"  É exatamente o que sinto todo dia em relação a Nicolas. Que vontade de ter ele aqui. 

Encerro este post com outra afirmação dela sobre lidar com a pessoa em luto perinatal: "Evitar tudo que está na ordem dos conselhos, dos pontos de vista, das crenças. Nem todas as mulheres acreditam no mesmo Deus, nem todas querem tentar engravidar de novo ou voltar logo a trabalhar e nem sempre estão abertas para ouvir opiniões pessoais ou contar detalhes, ou procurar culpados ou causas. Que as pessoas possam enxergar a mãe que acaba de perder um filho com respeito, com dignidade, com reverência, mas não com pena. Ela precisa de acolhimento, é diferente. Isso significa receber menos palavras vazias e mais gestos de compreensão, de carinho, de afeto, mais presença".


Minhas pequenas quase se 
despedindo do irmão (2 dias antes)