quarta-feira, 27 de novembro de 2019

FOMOS VENCIDOS

Ultima vez que escrevi aqui, fechada no Parlatório do hospital, encerrei com a pergunta: filho, quanto tempo temos?
Mesmo com uma angústia instalada no peito e sabendo do quadro em que você se encontrava , mal sabia eu que teríamos apenas mais 3 dias. Havia uma ponta de esperança , de acreditar que pudesse dar certo,  depois de tantas batalhas vencidas. Havia ainda um sopro de vida e a pergunta foi realmente dupla: quanto tempo teríamos e qual seria nosso desfecho,seja bom ou ruim.
E a tragédia aconteceu, meu filho, te perdemos. Perdemos a luta. Perdemos você meu pequeno amor, aos 64 dias de nascimento.

Um dia antes, perguntei a um dos médicos mais humanos que já conheci (o nefrologista que estava cuidando da diálise ) se ele já tinha visto algum caso dos rins voltarem a funcionar , no que ele me respondeu: em 30 anos de profissão, NÃO. Então , aos prantos, repliquei se ele acreditava em milagre, ao que me respondeu também chorando: sim, posso dizer que acredito em milagres. Mas o milagre não veio.


Sabe filho, durante esse tempo te acompanhando todo santo dia, uma vez sua vó me perguntou¨no hospital: você está bonita, vai pra onde? Ao dizer que para lugar nenhum , ela rebate: ¨claro, vai ver o filho dela¨. E sim, me arrumava para você , me dediquei a você em 2 meses que para mim duraram anos e anos, uma vida inteira. Sua vida, breve e tão longeva pra mim. Foram tantas canções à janelinha da encubadora, tantas frases e planos feitos, tantos cuidados aos alcance de uma mão ou chamando uma enfermeira. Alí, uma vontade grande de trocar suas fraldas, de te dar um banho, de te pôr no colo todo dia, e, acima de tudo , de ouvir seu choro que foi calado por um tubo respirador. Fui limitada a tudo isso. Meu amor imensurável não cabia somente naquela caixinha transparente; não coube em apenas dois meses. Muitos dizem: você deu muito amor e incondicional enquanto ele estava aqui, mas  NÃO; eu ainda tinha e tenho TANTO, TANTO amor preso, para te dar. Agora meu coração sangra.


Foram dias, noites , madrugadas que, para poder te alimentar com meu leite, mergulhei num sistema disciplinado de retirada de leite. Amamentando em bombas, sonhando com o dia em que seria você quem sugaria aquele líquido sagrado. Tantos estoques, tanta dedicação. Até o dia que até isto me foi cortado. Você não podia tomar mais meu leite por, imaginem, ser muito calórico para uma doença que não se podia ter uma alimentação protéica. Tento pensar que não foi em vão, agora estes leites alimentarão e darão peso a outros prematuros que, provavelmente , terão uma vida mais longa. Desculpa, meu filhote eu não consegui te salvar. Suas enfermidades foram agressivas demais.


Tentando explicar à Nina as doenças de Nico, fiz uma analogia com uma luta e disse: "filha, é como se numa briga, as doenças fossem soldados,grandes, muito fortes e cheios de armas ao redor de Nicolas, e ele estivesse lá no meio, pequeno e sozinho lutando contra todos eles".  Ao que ela sabiamente , no alto de apenas 9 anos, me respondeu: ¨Não mãe, ele não estava SOZINHO, ele estava com VOCÊ. E com papai, comigo e com Lela.¨   Aliás, serão elas , minhas meninas, que nos salvarão dessa dor.


E nessa trajetória de hospital, ao longo de todas essas semanas, de torcida, de esperança e de tratamentos foi uma sucessão de limitações: calaram sua voz, ao te entubarem, cessaram nosso colinho ao não podermos mais te manipular, tiraram meu leite ao te colocarem drenos. Até que VOCÊ mesmo nos foi tirado, no dia 25 de novembro de 2019.


Como meu coração vai continuar a bater se o seu parou , meu amor?

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